O uso de substâncias sempre ocorreu desde os primórdios da humanidade; desde a experimentação de frutas podres fermentadas à recente fabricação de drogas sintéticas.
Drogas ou substâncias psicoativas são substâncias que agem no sistema nervoso central (SNC) alterando cognições, humor e comportamentos, quando elas têm potencial de causar dependência é chamada psicotrópica.
De forma geral, podem ser classificadas entre legalizadas (álcool e tabaco) e ilegais e também de acordo com seus efeitos no SNC entre depressoras, estimulantes ou perturbadoras.
Diante do quadro atual que vivenciamos em meio a uma pandemia e isolamento social, um comportamento que tem sido aumentado é o consumo de substâncias, seja pelas angústias despertadas ou como forma de lidar com sentimentos e emoções desagradáveis, ou ainda, pela dependência que já está estabelecida.
Abaixo eu descrevo sobre os critérios que indicam se já há indícios de algum grau de dependência, mas antes disso gostaria de alertar sobre os riscos do consumo de substâncias.
Todo o uso vai gerar consequências. Pode ser limitado ao efeito tóxico agudo (enquanto a substância ainda age no organismo) à diversas consequências fisiológicas e ou sociais. Embora dê a sensação de prazer ou alívio de desconfortos (físicos e emocionaos), será que não existe uma forma mais saudável de obter satisfação sem correr o risco de acarretar mais sofrimento?
É um convite para que avalie como está sua relação com as substâncias. Um reflexão sem julgamento ou culpa, mas em forma de acolher-se e afetuosamente, se olhar e se perceber. E se por ventura avaliar que essa relação está trazendo ou pode acarretar prejuízos, busque ajuda.
Atualmente a dependência química é compreendida como um transtorno neuropsiquiátrico; uma doença crônica em um continuum de gravidade em que o uso continuado de substâncias psicoativas provoca mudanças na estrutura e funcionamento cerebral.
Ao longo da história, diferentes modelos tentam explicar a relação do homem com as substâncias, dentre eles, o modelo biopsicossocial considera que a dependência química é influenciada por múltiplos fatores na interação da pessoa em seu contexto. Esse modelo é o que faz mais sentido na minha atuação e perspectiva.
O DSM-5 (Manual diagnóstico e estatístico na sua quinta edição) renomeia a dependência química em Transtorno por Uso de Substâncias (TUS) e classifica sua gravidade de acordo com os seguintes critérios. Para a pessoa ser considerada dependente ou em sofrimento por TUS, deve apresentar no mínimo 02 critérios durante 12 meses:
1. Tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos:
– Necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para atingir o efeito desejado;
– Redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de substância.
2. Síndrome de abstinência
- Desconforto ante a redução ou suspensão do uso da substância.
3. Desejo persistente ou esforços malsucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da substância.
4. A substância é frequentemente consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido.
5. Muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância, na utilização ou na recuperação de seus efeitos.
6. Problemas legais recorrentes relacionadas ao uso de substâncias.
7. Uso recorrente da substância, resultando no fracasso em desempenhar papéis importantes no trabalho, na escola ou em casa.
8. Uso continuado da substância, apesar de problemas sociais e interpessoais persistentes ou recorrentes causados ou exacerbados por seus efeitos.
9. Importantes atividades sociais, profissionais ou recreacionais são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso da substância.
10. Uso recorrente da substância em situações nas quais isso representa perigo para a integridade física.
11. O uso da substância é mantido apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente, que tende a ser causado ou exacerbado por esse uso.
A CID-10 (Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde) diferencia uso nocivo (prejudicial) da dependência. Sendo que para o diagnóstico deste manual, a pessoa deve apresentar no mínimo 03 critérios nos últimos 12 meses:
1. Forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância.
2. Dificuldades em controlar o comportamento de consumir a substância, em termos de início, término e níveis de consumo.
3. Estado de abstinência fisiológica quando o uso da substância cessou ou foi reduzido, evidenciado pela síndrome de abstinência de uma substância específica, ou quando faz-se o uso da mesma substância com a intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência.
4. Evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes da substância psicoativa são requeridas para alcançar efeitos originalmente produzidos por doses mais baixas.
5. Abandono progressivo de prazeres e interesses alternativos, em favor do uso da substância psicoativa. Aumento, também, da quantidade de tempo necessário para obter ou ingerir a substância, assim como para se recuperar de seus efeitos.
6. Persistência no uso da substância, a despeito de evidência clara de consequências nocivas
A importância de conhecer tais modelos e manuais é para padronizar o cuidado, ampliando a compreensão acerca dos sintomas e características de quem sofre com o uso de substâncias; reduzindo estigmas na produção do cuidado.
Referências
Zanelatto, Neide A.; Laranjeira, Ronaldo. O tratamento da dependência química e as terapias cognitivo comportamentais: um guia para terapeutas. 2 ed. – Porto Alegre: Artmed, 2018