O que sentem aquelas pessoas que por algum motivo deixaram a sua cidade ou o seu país, a sua família e amigos, para passar um tempo ou até vários anos em outra região, longe da sua terra natal?
Seja para buscar uma nova vida, aprender um idioma, trabalhar em uma grande empresa, sair da mesmice, conhecer novas pessoas e culturas, ter novas experiências, se desafiar e buscar autoconhecimento, expandir horizontes, realizar sonhos.
Pensando em todos os sentimentos e sensações que sentimos quando mudamos de cidade ou país, lembrei do filme “Na natureza selvagem – Into the Wild” de 2007, no qual um jovem recém-formado decide largar tudo e viajar sozinho pelo mundo. Ele tinha vontade de explorar outros lugares, deixar padrões pra trás, conhecer novas pessoas e a si mesmo. Essa inquietação e o desejo de explorar o desconhecido são sintomas comuns de quem decide fazer uma grande mudança. Nessa primeira fase, onde aparecem os primeiros lampejos emocionais que impulsionam para a mudança, há uma mistura de insatisfação com o estilo de vida atual, expectativas, idealizações, motivação para sair da zona de conforto e claro, ansiedade, medo e insegurança por não saber se essa escolha será bem sucedida ou não. Seja um intercambista, um profissional que foi transferido ou alguém que busca arriscar uma nova vida e começar do zero em outra cidade, os dilemas, sentimentos, dúvidas e descobertas estarão presentes, antes, durante e após a experiência de ser um expatriado. Ansiedade, insegurança, preocupação, dificuldade de adaptação, desânimo, saudades, carência, luto, arrependimento, pânico, síndrome do regresso.
Primeira fase: Decisão tomada e planejamento
A decisão de mudar de cidade ou de país é carregada de expectativas e esperança, mas também exige planejamento pra que tudo ocorra da maneira esperada. Nesta fase, questões mais burocráticas e pontuais precisam ser acertadas, como organizar uma reserva financeira, comprar as passagens, definir o tempo da viagem, sair do emprego atual, vender móveis e carro, pesquisar tudo sobre o local onde irá morar (imóveis, empregos, cultura, câmbio, clima, custo de vida), fazer matrícula em curso de idiomas, comprar as malas, separar as roupas que vai levar, os livros, o kit de remédios, os documentos e vistos necessários.
E também questões emocionais irão surgir, como o medo e a insegurança por estar arriscando algo novo, o estresse de deixar tudo resolvido antes da partida, a ansiedade pela chegada do grande dia, a tristeza e aperto no coração pela despedida dos amigos e da família. É uma mistura de sensações, de alegria e entusiasmo, de apreensão e saudade antecipada. O momento do embarque é um divisor de águas, entre o que você foi e o que você será dali pra frente, inevitavelmente, transformado.
Segunda fase: Lua-de-Mel
O dia de mudar de vida chegou.
Você se despediu da família, pegou suas malas e embarcou para o desconhecido. Sente uma empolgação e ansiedade enorme de estar realizando um sonho e não vê a hora de as coisas começarem a acontecer, mesmo com medo e incertezas. Você chega à cidade que tanto pesquisou, já meio que conhece o clima, os caminhos a serem feitos, as comidas típicas, os parques para visitar, mas estar ali de fato traz aquela sensação de borboletas no estômago. O primeiro sentimento é de fascinação, de encantamento pelo mundo novo. Uma nova língua e cultura, lugares para visitar, apartamento novo pra se adaptar, pessoas para conhecer, imprevistos para lidar, comidas diferentes pra experimentar. Por algumas semanas ou meses é bem provável que você sinta uma mistura de alegria e excitação, preocupação e ansiedade, deslumbramento e animação. Muitas fotos, planos, sonhos realizados, expectativas.
A fase da lua-de-mel para aqueles que acabaram de mudar de cidade ou país, é cheia de satisfação e da sensação de que a decisão tomada valeu a pena. Os dias vão passando e a sua inteligência emocional é colocada à prova para lidar com novos costumes, dinâmicas, regras, status social, novas amizades, novo trabalho. Dependendo do tipo de viagem, pode ser que você tenha que aprender a lidar com mais momentos de solidão, com a frustração e a incerteza, ou até mesmo conviver com mais pessoas do que estava acostumado, cuidar da adaptação dos filhos e lidar com a saudade daqueles que ficaram. Aos poucos o encantamento pode ir dando lugar a questões mais práticas da rotina comum de qualquer cidade, nem tudo mais é novidade e você começa a perceber alguns pontos negativos e a sentir-se menos empolgado. Assim começa a fase do “choque cultural” e os sentimentos que podem surgir são a melancolia, as saudades, carência, arrependimento e não pertencimento.
Terceira fase: Choque Cultural
É comum e natural que depois de algumas semanas ou meses morando em outra cidade você comece a ter dificuldades, seja com questões burocráticas, como alugar um apto, abrir uma conta bancária, cuidar dos documentos necessários para trabalhar ou questões culturais, como ter problemas para entender a língua local ou até mesmo sofrer preconceito por ser um imigrante.
Fato é que os desafios do dia a dia irão aparecer e a sua resiliência, abertura e paciência serão testadas. Nessa hora você precisa realmente estar preparado emocionalmente e se conhecer minimamente pra dar conta de tomar decisões e assumir responsabilidades por conta própria, assumindo riscos e lidando com sentimentos que talvez sejam novos pra você. Não ter o apoio de pessoas próximas, ter que conviver com pessoas que ainda não confia, lidar com imprevistos, ter uma vida mais simples e menos confortável no início, estar com dúvidas e ficar sozinho em alguns momentos podem desencadear emoções que precisam da sua atenção para não se tornarem um problema mais a longo prazo. Pode bater forte as saudades, carência, preocupação, isolamento, frustração, tristeza, baixa autoestima, solidão, pânico, desânimo, mudança de humor, insegurança ou sentir-se estúpido por ainda estar desajeitado com os hábitos locais.
Ter um acompanhamento psicológico, antes e durante esse processo de mudança pode ajudar a se conhecer melhor, ficar mais seguro para enfrentar os percalços e entender que as fases difíceis inevitavelmente surgirão mas se aproveitadas como aprendizado e experiência, irão te fortalecer. Ter com quem conversar sobre as suas dificuldades, estar aberto para novas vivências, ter flexibilidade para aceitar a nova cultura, participar de atividades que os habitantes locais fazem, controlar as expectativas e ser paciente é importante para uma adaptação mais tranquila à nova cidade.
E quando chega a hora de voltar pra casa? Seja depois de alguns meses de intercâmbio, após anos de estadia no exterior ou apenas uma visita à terra natal durante as férias. Quais sentimentos vêm à tona?
Fase do retorno: Síndrome do regresso
Depois de um tempo morando fora quem sabe surjam motivos para voltar à cidade ou país de origem. Ou o período do intercâmbio acabou, o contrato com a empresa encerrou, ou você sente saudades da família e amigos.
Esse retorno, dependendo de como foi a experiência de expatriação, pode ser até mais difícil do que a ida, porque você irá chegar a um lugar que já conhecia, sem muitas novidades e tendo que lidar novamente com questões que haviam ficado para trás. Nessa fase onde você está retomando a vida em seu local de origem, podem surgir a tristeza, a irritação, a desmotivação, o tédio e o luto por estar voltando ao passado, tendo que lidar com situações limitantes, pois nem todos acompanharam as suas mudanças e os problemas anteriores talvez ainda estejam ali. São os sintomas do que chamamos síndrome do regresso. É uma sensação de ser um estranho no ninho. Surgem questionamentos, arrependimento e um sentimento de estranhamento no início.
Para que corra tudo bem nesse período, manter contato com as pessoas que você conheceu e que foram importantes pra você enquanto morou fora, ajuda a sentir-se compreendido e mais perto dos momentos especiais que viveu. Preservar o seu espaço, tendo momentos para ficar sozinho e cultivar atividades que gostava de fazer também é essencial nessa fase de readaptação. Lembrar dos momentos difíceis e dos aspectos negativos da sua experiência fora, assim como da saudade que sentia dos amigos e familiares quando estava longe, também fazem você relativizar um pouco esse retorno às origens para que fique menos conflituoso e mais leve. É uma oportunidade para você resignificar a sua vida naquele lugar que já viveu por tanto tempo, o seu país/cidade de origem, buscando novidades, novos olhares e perspectivas.
Bruna Prochnow.
Psicóloga Clínica - CRP 06/140066
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