Ninguém tem o direito de te machucar por ser diferente

Se o objetivo da piada é fazer as pessoas se unirem e darem risada, por que existem piadas que fazem extremamente mal para algumas pessoas, as expõem ao ridículo e as excluem? Muitas piadinhas não são criativas, tampouco engraçadas. São ofensivas e repetitivas. Mesmo assim, algumas pessoas riem bastante. Enquanto outras pessoas são tidas como chatas por quererem pôr limites nas piadas e exigirem piadas mais inteligentes e respeitosas.

Fico me perguntando algumas coisas: será até que ponto o fato de acharmos algo engraçado, nos dá o direito de usar isso contra alguém?

Será que as pessoas sabem a hora e a melhor maneira de fazerem piadas?

Será que as pessoas realmente pensam sobre o que foi dito nas piadas?

Qual a lógica em fazer piadas em cima das pessoas que mais estão precisando de ajuda?

Mas ao mesmo tempo, também me pergunto: será que as pessoas estão ficando sensíveis demais a críticas e opiniões?

Será que estamos ficando mal humorados e perdendo a habilidade de achar graça nas coisas?

Como diferenciar o verdadeiro bom humor do assédio disfarçado de piada? E como lidar com isso?

O que ganhamos ao respeitarmos os limites nas piadas?

Pesquisas mostram que as pessoas costumam rir de piadas cujos temas mais possuem inseguranças, então acabam rindo por estarem na defensiva, ou de forma reativa, na tentativa de se auto afirmarem. Enxergam em certas piadas uma maneira de afastar de suas personalidades aquilo que mais evitam, detestam ou se sentem ameaçadas.

Pesquisas também apontam que ao ouvirmos piadas de um assunto que lidamos mal, isso tende a nos deixar mais insensíveis e nos influencia a pensar ou a cometer alguma besteira contra as vítimas dessas piadas. Por ex.: homens que são mais sexistas ao ouvirem uma piada sexista tem maior propensão ao estupro em comparação com aqueles com baixo nível de sexismo ou que não estão expostos a piadas sexistas.

Portanto, piadas preconceituosas não só revelam como estimulam comportamentos desrespeitosos ou destrutivos.

Por isso, é possível avaliar a personalidade e o comportamento de alguém através dos seus tipos preferidos de piadas. Van Gogh já sabia disso quando disse “Nada descreve melhor o caráter dos homens do que aquilo que eles acham ridículo”.

Mas a boa notícia é que todos podemos começar a fazer diferente e aprendermos a nos colocar no lugar do outro, e podemos também entender de que forma e por quê estamos precisando usar as piadas para atingir alguém e começarmos a nos responsabilizar pelas nossas atitudes, em vez de apenas nos escondermos, dizendo: “foi só uma piadinha”.

Então, já que as piadas nunca são somente uma brincadeira, por que não selecionarmos bem tanto as piadas que contamos quanto as que ouvimos?

Que tal começarmos a sinalizar quando uma piada não é engraçada e questionarmos as pessoas que estão contando estas piadas, sobre quais suas intenções ao fazerem isso? Porque ao nos silenciarmos, nos tornamos cúmplices e autorizamos que isso continue acontecendo, ou até mesmo que piore com o tempo.

E há inúmeras maneiras de fazer piadas. Mas talvez pelo fato de a sabedoria no mundo de hoje estar escassa, estamos tendo tanta dificuldade, inclusive para fazer humor, pois o que vemos são piadas sem graça serem aplaudidas sem nenhuma exigência pelas platéias (os próprios humoristas assumem ou reclamam disso!).

Portanto, mesmo que uma piada seja sobre as minorias, ela não precisa necessariamente ser ruim, humilhante e atacá-las. As pessoas fazem isso também porque esta é a forma mais fácil, já que estas piadas já estão prontas, mas há inúmeras coisas que podem ser engraçadas que poderiam ser melhor exploradas e inclusive serem usadas para esclarecer certos preconceitos. Afinal de contas, será que o humor para ser humor precisa mesmo ser machista, lgbtfóbico ou racista?

Sabemos que tudo depende da habilidade de quem faz piada, pois em tudo pode existir humor.

Aliás, um humor estratégico positivo pode gerar muito mais mudanças do que conselhos e sermões.

Por isso não é preciso pararmos de fazer piadas. Podemos apenas refletir sobre elas para aumentarmos nosso autoconhecimento e também para que tenhamos no mundo de hoje mais conteúdos engraçados, mas também criativos, respeitosos, produtivos e transformadores.


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