Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou oficialmente que o mundo estava vivendo uma pandemia pela contaminação do COVID-19. No Brasil, como em tantos outros países, esta ameaça à saúde pública em escala mundial teve vários desdobramentos e consequências em inúmeros setores, entre eles, na área da saúde mental.

Segundo relatórios da Organização Pan Americana de Saúde e Organização Mundial de Saúde (OPAS) emitidos em maio de 2020, houve um aumento nos sintomas de depressão e ansiedade em vários países. O aumento no número de pessoas que precisam de serviços de saúde mental ou apoio psicossocial foi agravado pela interrupção dos serviços de saúde física e mental em muitos países. A OPAS destaca a necessidade de aumentar urgentemente o investimento em serviços de saúde mental. Acrescento aqui a necessidade de também buscarmos outras formas de atendimento psicoterapêutico, como por exemplo, os atendimentos online, os quais tiveram sua busca aumentada nestes tempos de isolamento social.

Porém, mesmo antes da pandemia, o Brasil já sofria uma epidemia de ansiedade. Segundo dados da OMS, o país, em 2019, tinha o maior número de pessoas ansiosas do mundo: 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população) convivendo com transtornos de ansiedade (Revista IstoÉ).

Os transtornos de ansiedade incluem aqueles que compartilham características de medo e ansiedade excessivos e perturbações comportamentais relacionados. Medo é a resposta emocional à ameaça iminente real ou percebida, enquanto ansiedade é a antecipação de ameaça futura (DSM-5, 2014).

Os transtornos de ansiedade se diferenciam do medo ou da ansiedade adaptativos por serem excessivos ou persistirem além de períodos apropriados ao nível de desenvolvimento.

Segundo a classificação do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-5), os transtornos de ansiedade são os seguintes: transtorno de ansiedade de separação, mutismo seletivo, fobia específica, transtorno de ansiedade social (fobia social), transtorno de pânico, ataque de pânico, agorafobia, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de ansiedade induzida por substância/medicamento, transtorno de ansiedade devido a outra condição médica, transtorno de ansiedade não-especificado. Em todos eles há prejuízo em várias áreas da vida, restringindo escolhas e oportunidades e, por vezes, incapacitando para o trabalho e para a vida social.  

Como Gestalt-terapeuta, trago algumas reflexões sobre a contribuição desta linha de atendimento em relação aos transtornos de ansiedade.

Primeiramente é importante levar em consideração que a Gestalt vai trabalhar considerando tanto a compreensão diagnóstica intrínseca (relação, pessoa e campo) quanto a compreensão extrínseca (psicopatologia). Ou seja, ao mesmo tempo que se utiliza das classificações psicopatológicas, não perde de vista que o cliente é mais que sua sintomatologia e seu diagnóstico clínico.

A Gestalt-terapia reconhece que a ansiedade e o medo fazem parte da vida e podem ser úteis para explorar de novos caminhos, expandir fronteiras, como também nos preservar de perigos. Eles mobilizam nossas energias e nos deixam “ligados”, despertos. Muitas vezes, no entanto, eles podem ser disfuncionais e causar sofrimento. Um sofrimento que, por mais paradoxal que seja, é um convite a uma vida mais saudável.   

Vivências de ansiedade, ainda que muito dolorosas, são possibilidades de crescimento e autoatualização. Por isso, é necessário que dialoguemos com nossas ansiedades, saudáveis e patológicas. Em nossa cultura, dado o medo do sofrimento, cada vez mais pessoas preferem se anestesiar. (Quadros clínicos disfuncionais e Gestalt-terapia, 2017, p.96)

Porém, há que se reconhecer que não existem receitas infalíveis. Faz-se necessária a construção do autossuporte, a partir de toda uma rede de cuidados, entre elas, da relação terapêutica entre o psicoterapeuta e o cliente.   

De que forma transformar a ansiedade na fértil ansiedade existencial e não na paralisante ansiedade disfuncional? Não existe resposta simples para essa questão, mas há boas pistas: controle e certeza nos levam à ansiedade disfuncional, ao passo que cuidado e confiança nos mantêm na existência”. (idem, p.113)

A Gestalt-terapia acredita que nosso organismo tenta sempre fazer o melhor ajustamento possível frente às necessidades que surgem, ainda que através do adoecimento psíquico. Assim sendo, mais do que eliminar os transtornos de ansiedade, é importante acolhê-los e compreendê-los para que possamos nos expressar de forma mais saudável e não precisemos mais deles.   

Referências bibliográficas:

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.

FRAZÃO, Lílian Meyer e FUKUMITSU, Karina Okajima. Quadros clínicos disfuncionais e Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2017.

ISTO É. Brasil é o país mais ansioso do mundo, segundo a OMS. Disponível em: https://istoe.com.br/brasil-e-o-pais-mais-ansioso-do-mundo-segundo-a-oms/#:~:text=O%20Brasil%20sofre%20uma%20epidemia,popula%C3%A7%C3%A3o)%20convivem%20com%20o%20transtorno.  Acesso em: 03 fev. 2021

ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE. ONU destaca necessidade urgente de aumentar os investimentos em serviços de saúde mental durante a pandemia de COVID-19. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6170:onu-destaca-necessidade-urgente-de-aumentar-investimentos-em-servicos-de-saude-mental-durante-a-pandemia-de-covid-19&Itemid=839 Acesso: em 03 fev. 2021

 

 

 

 


Ver mais artigos publicados por Rosa Maria Noronha Dias


Conteúdo relacionado