Atualmente nos deparamos com um modelo materno que aos olhos da grande maioria das pessoas se apresenta como aquele que sempre existiu porém, o modelo materno foi sendo construído a partir das mudanças sociais e culturais de cada época. Na Antiguidade e na Idade Media as famílias eram patriarcais, sistema apoiado pela ideologia cristã e pelo absolutismo político, assumindo apenas uma função moral e social de transmitir a vida, o nome, os bens e costumes o que não estava vinculado ao sentimental e aos laços afetivos.
Para Maldonado (2000) a existência de um instinto materno é algo questionável, pois na Europa do Século XVI, era costume que o recém-nascido fosse confiado a uma ama de leite, a qual cuidaria da criança durante os primeiros anos de vida. Em 1780 nasceram na cidade de Paris cerca de vinte e uma mil crianças e destas apenas mil foram amamentada pelas próprias mães. Fatos como estes sugerem que até o século XVII o que se via era uma indiferença materna, pode-se então concluir que o amor materno não é algo natural como um instinto, mas sim um sentimento sujeito a imperfeições e que está relacionado intimamente com a historia desta mãe.
Apenas por volta de 1760, o amor materno começou a ser exaltado como um valor, algo natural e social, o qual favorecia a espécie e a sociedade. Atrás deste discurso haviam interesses econômicos, relacionados ao aumento populacional e ao liberalismo que estava aliado ao discurso econômico, falando sobre liberdade, igualdade e felicidade individual. Partindo destes novos pensamentos as relações familiares começaram a se reorganizar, fazendo da casa o lugar da família, com isso as relações “marido-esposa e pais filhos” se alteram profundamente (MOURA & ARAUJO, 2004).
A Igreja Católica usou este mesmo discurso como forma de tornar a mulher responsável pelas crianças e exigir dela uma aparente dedicação, aproximando a figura materna da pessoa de Maria, doce, pura, sem pecado, obediente, humilde e totalmente a parte de sua sexualidade (MALDONADO, 2000). Durante o século XIX a maternidade deixa de ser apenas uma função biológica, para assumir também uma função social, onde finalmente “a mulher aceitou o papel da boa mãe [..] dedicada em tempo integral, responsável pelo espaço privado, privilegiadamente representado pela família" (BRAGA & AMAZONAS, 200 p. 12). Nas classes mais favorecidas a mulher assumiu um papel de nutrícia, educadora e até de professora.
Hoje vivemos a sombra deste modelo materno que foi sendo construído ao longo de séculos. A maternidade tornou-se um papel social totalmente vinculado a figura feminina de modo que uma mulher que opta por não ter filhos geralmente é criticada por isso, como se a falta de uma prole a torna-se menos mulher, como se a sua identidade dependesse desta prole para existir. Uma segunda marca profunda que este modelo nos deixa é a culpa, pois as mulheres que se afastam dele sentem vergonha e até mesmo sentimentos de anormalidade, o que poderia ser relacionado a algo patológico e contrario a natureza feminina.
Este modelo fica mais claro quando observamos que a maior parte das mulheres não fala do lado negativo atrelado a gestação (como a dor nas costas, as dores de parto, a azia, as estrias, etc...), não contam como é acordar a no meio da noite para amamentar, como é escutar o bebê chorar sem parar por estar com cólica, dentre outras. Algumas pessoas tentam justificar dizendo que é o amor materno que nos faz esquecer de tudo isso e seguir em frente olhando apenas para o que é bom e prazeroso como o primeiro sorriso, a primeira palavra, o primeiro passo, mas na realidade o que não nos deixa falar sobre isso é o medo de ser criticada e vista como uma péssima mãe por outras pessoas.
A criação do ideal de mãe perfeita levou séculos e combate-la não é algo fácil, de modo que também levará séculos para altera-la. A busca por alcançar este patamar de mãe perfeita tem criado mulheres doentes e que sofrem cada dia mais por se distanciarem dele. Falar sobre as alegrias, tristezas, gozos, medos, realizações e culpas que cercam a maternidade gera mulheres livres e donas de si, que consequentemente serão mães melhores por entenderem que cada uma pode educar seus filhos da forma que for melhor e que ter engravidado não a torna mãe, porque este é um processo de descoberta e aprendizagem diário a cerca de si mesma e de outra pessoa.
Referências
BRAGA, Maria da Graça Reis; AMAZONAS, Maria Cristina Lopes de Almeida. Família: Maternidade E Procriação Assistida. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n.1, p. 11-18, jan./abr. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pe/v10n1/v10n1a02.pdf>. Acesso em: 10 out. 2016.
MALDONADO, Maria Tereza. Psicologia da gravidez. 15ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
MOURA, Solange Maria Sobottka Rolim de; ARAUJO, Maria de Fátima. A maternidade na história e a história dos cuidados maternos. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 24, n. 1, p. 44-55, Mar. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141498932004000100006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 25 Out. 2016.
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