A palavra luto (DICIO, 2020) significa profundo pesar causado pela morte de alguém; sentimento gerado por perdas como separação, partidas ou rompimentos; sinais exteriores desse pesar, em particular o traje, quase sempre preto, que se usa quando se está de luto. A palavra luto deriva do latim "luctus,us", significando dor, mágoa, lástima.

Em 2020, diante de uma doença que tomou proporções mundiais, por muitas vezes tivemos que fazer frente a lutos, a mortes literais e figuradas, e fomos convidados a caminhar em busca de renascimentos. Muitos foram os lutos, das mais variadas ordens: morte de entes queridos, perda de emprego, preda de status financeiro e/ou social, separações, perda da saúde... Mas a vida segue e como seguir também de uma maneira equilibrada e com qualidade?

A proposta deste pequeno texto é apresentar um modelo teórico de vivência de luto e apontar alguns recursos que podem ser úteis na travessia em direção a um renascimento.

Ainda no ano de 1969, a psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross lançou seu livro mais famoso intitulado On death and dying (Sobre a morte e o morrer). Nele ela conta sua experiência com pacientes terminais e apresenta o modelo de Kübler-Ross, onde identifica cinco etapas vivenciadas por estes pacientes na tentativa de elaborarem a aceitação da morte iminente. Este livro tornou-se uma referência para familiares e profissionais da saúde que trabalham com cuidados paliativos.     

É importante destacar dois aspectos relacionados ao modelo de Kübler-Ross. O primeiro é que as etapas não acontecem necessariamente numa sequência ascendente, ou seja, uma pessoa pode voltar etapas, se estender mais em umas do que em outras, porém, para que ela realmente realize a aceitação de sua finitude física, é necessário que ela chegue à última etapa. O segundo aspecto é que podemos estender o modelo de Kübler-Ross a outras situações percebidas como perdas ao longo da vida (divórcio, falência, adoecimento crônico, perda de emprego, mudança de país, envelhecimento, saída dos filhos de casa etc) e ser de muita utilidade no processo de autoconhecimento e renascimento.

Quais são estas etapas? 

Negação - A pessoa não quer acreditar na realidade dos fatos. Busca justificativas, fantasias, desculpas para não lidar com aquilo que ela não quer viver.

Raiva – A realidade não pode mais ser negada, mas continua não sendo aceita e desperta sentimentos de raiva, que também podem ser dispensados às pessoas mais próximas. O famoso “por que eu”?.

Barganha – A realidade não pôde ser negada, a revolta não adiantou, então nesta fase a pessoa tenta negociar, barganhar para modificar a situação. Faz promessas a Deus, acredita que se tiver determinados comportamentos, tudo será como antes.

Tristeza – o fracasso da etapa anterior gera um grande sofrimento, um reconhecimento vívido de que não há nada que possa fazer para mudar a realidade. É a fase do “senta e chora”. 

Aceitação – A pessoa aceita as mudanças ocorridas e as que vão ocorrer, tenta lidar com os desafios da melhor maneira possível, resolver situações inacabadas e aceitar as coisas como elas são, retirando algum prazer e ensinamentos disso.

Sim, num ano de tantas perdas como foi 2020, como elaborarmos nossos lutos, nossas mortes reais e figuradas, em busca de um sentido de vida renovado?

Como gestalt-terapeuta, penso que estarmos em contato com nossos sentimentos, nossas sensações, é fundamental para compreendermos o processo único, potente, que cada um de nós é chamado a vivenciar diante da dor. Observe seus pensamentos, seus sonhos, sua respiração, suas percepções mais íntimas. Não é uma caminhada fácil, mas vale a pena. Da mesma forma, nem sempre estamos conscientes dos recursos externos dos quais podemos dispor (amigos, família, espiritualidade, arte, atividades físicas...) e nem dos recursos internos que temos para fazer frente a estas vivências tão desafiadoras. Nestes momentos, buscar ajuda e em especial buscar a ajuda de um profissional pode ser de grande valia. A psicoterapia pode auxiliar no reconhecimento e mobilização de recursos do cliente que lhes deem autossuporte nestes momentos delicados.

Segundo afirma Sousa,

de uma dor bem vivida, resultará um aprendizado, ou pelo menos, o reconhecimento de que o sofrimento também faz parte da vida e de que somos capazes de encontrá-lo em toda nossa plenitude e, ainda assim, sobrevivermos a ele. Assim, podemos nos fortalecer e acreditar que, com o tempo, pensamentos e sentimentos tão dolorosos se tornarão menos intensos, e darão oportunidade para que outros surjam e o movimento contato-afastamento se dará em relação à outra figura, que não seja apenas a dor da perda (2016, p.270).

Para concluir, cabe lembrar que, etmologicamente, a palavra luto também significa limo, lodo (DICIO,2020). É um fato interessante e, para mim, fez muito sentido, ao relacionar o enlutamento a elementos da terra: o cobrir-se do limo, o enterrar, o enterrar-se, o aguardar o tempo para, como sementes, rasgar a terra e germinar.

Que assim seja, para todos nós!

Referências bibliográficas

KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a morte e o morrer: o que os pacientes têm para ensinar a médicos, enfermeiros, religiosos e a seus próprios parentes. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

LUTO. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2020. Disponível em:  https://www.dicio.com.br/luto  Acesso em: 06/01/2021.

SOUSA, Luiza Eridan Elmiro Martins de. O processo de luto na abordagem gestáltica: contato e afastamento, destruição e assimilação. Revista IGT na Rede, v. 13, nº 25, 2016. p. 253 – 272. Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs Acesso em: 29/12/2020.


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