Assisti ao filme “A arte de Amar”, que conta a história real da médica polonesa Michalina Wislocka. O filme se passa entre as décadas de 40 e 70, em meio ao regime comunista, mas levanta questões ainda muito presentes no universo feminino. 

Michalina foi uma mulher livre de preconceitos e fora de qualquer padrão. Médica de mulheres, percebeu como o adoecimento das mulheres que ela tratava estava relacionado ao desconhecimento da capacidade para o prazer, à falta de conhecimentos e de poder sobre o próprio corpo e nos relacionamentos afetivos. Devolver às mulheres este conhecimento se tornou sua causa pessoal e, em nome disso, enfrentou a moral e a ordem estabelecidas em sua época. 

O filme mostra como o sexo era (e ainda é) a grande marca da submissão da mulher no mundo patriarcal: o sexo para satisfazer ao homem e sustentar o casamento, dentro do qual a mulher recebe um lugar na ordem social. Fora disso, a sexualidade se tornava um obscuro campo inexplorado, marcado pela ideia de “pecado”, lascívia, imoralidade. Esquecemos que todos nascemos através do sexo? E que a natureza humana é de ordem sexual e, por isso, afetiva? Michalina coloca estas questões e busca a ampliação do protagonismo das mulheres em suas vidas afetivas e sexuais, para além dos papéis prescritos socialmente. 

O desconhecimento da capacidade plena para o prazer, a associação do sexo com a dor e a submissão, o medo da entrega ao prazer do corpo e da vida (medo da punição, da rejeição, do julgamento, do abandono) ... são questões muito presentes na vida afetiva das mulheres, que geram conflitos internos importantes. Crenças como: meninas se sentam de pernas cruzadas, não falam alto, não podem falar o que pensam, para não causar uma situação desagradável, não sejam malcriadas, silenciem, sejam boas meninas, sorriam sempre... Mulher tem que fazer de tudo para salvar o relacionamento e manter todos unidos... mesmo pagando o alto preço de apagar os próprios sentimentos... são julgamentos que ressoam dentro das mulheres. 

Na mitologia, Eva é uma das representantes do aspecto do feminino que está totalmente voltado para os relacionamentos, onde tem suas necessidades satisfeitas como esposa e mãe, nutrindo e sendo nutrida... Em contrapartida, Lilith, que representa o lado sombrio do feminino, se sente enjaulada e acorrentada nestes papéis e não aceita qualquer submissão ou dependência, buscando liberdade, solidão, movimento, mudanças... Estes dois aspectos convivem dentro de nós e precisam ser integrados para que haja expressão do feminino na totalidade. 

Quantos relacionamentos afetivos ainda são sustentados com base na submissão das mulheres aos quereres do outro... Quantas mulheres ainda temem assumir seus próprios quereres e acabarem sozinhas...e o “sozinhas”, aqui, significando o sentimento de fracasso como mulher, o sentimento de desamparo. Ainda há um sentimento inconsciente de que as mulheres precisam ser escolhidas e que não têm muita escolha...Eva foi criada, afinal, da costela de Adão, não tendo, portanto, identidade própria como mulher. 

Acontece que nos identificamos com estes discursos, valores e crenças e os legitimamos como verdades, construindo nossa identidade com base nisso. E o problema é que sustentamos, assim, relações abusivas: quando construímos nossa identidade como mulheres não a partir da nossa feminilidade, de nossos sentimentos femininos, mas somente a partir dos papéis sociais que nos foram designados. Precisamos olhar para essas questões, pois disso depende o resgate de nosso poder pessoal, da capacidade para viver uma vida com maior liberdade, prazer e alegria. A liberdade é um valor que precisa ser resgatado. 

Vejo muitos movimentos para ensinar as mulheres os jogos da conquista, as maneiras de se manter um relacionamento, como se comportar, o que não fazer... que somente contribuem para sustentar a submissão ou a permanência na inconsciência, nos relacionamentos. Ou, ainda, movimentos que nos tornam vítimas do mundo masculino, projetando sobre os homens toda hostilidade e dizendo que não precisamos deles... o que também não nos leva um passo adiante...essa é a Lilith não integrada em nós, o lado sombrio, gritando para darmos a ela um lugar em nossas vidas...  

Nós, mulheres, nos beneficiamos muito mais quando, ao invés de perguntar sobre os quereres do outro acerca de nós, passamos a escutar os “quereres próprios”. Conhecer o próprio corpo e tomar posse da capacidade para o prazer, abre este caminho para a mulher retomar o poder sobre sua própria vida e escolhas - dando voz e lugar ao sentimento feminino.

Isso não exclui o relacionamento afetivo, não exclui o outro. Mas deixam de ser o centro da vida. O Centro é interno. E não significa também impor os próprios quereres à revelia do outro. Jung dizia que o processo de individuação não representa esse risco, pois nos coloca em uma posição de transcendência com relação ao ego, onde o ego pode ocupar o lugar que é o dele: o de mensageiro da Alma. 

A “sabedoria do coração” inclui os aspectos Lilith e Eva. Implica integrar em nós diferentes aspectos do feminino. Quando nos relacionamos a partir de uma identidade própria, sustentada no conhecimento sobre si mesma e na conexão com nossa feminilidade, há crescimento, através dos relacionamentos. A Psicoterapia pode ajudar você nesse processo. 

 


Ver mais artigos publicados por Luiza Couto


Conteúdo relacionado