Antes de você começar a ler este texto -- já publicado e reeditado especialmente para este site -- quero dizer que não pretendo aqui encerrar todas as possibilidades a respeito de um determinado assunto. Estou partindo do princípio que há queixas recorrentes que chegam até mim e que talvez você possa se identificar com alguma delas que apresentarei a seguir. Lembre-se que a melhor saída para uma determinada questão que se apresenta é sem dúvida, dançar com ela. A sua experiência é única.

 

Quanto ao título, tenho certeza de que lhe causou certa curiosidade ou estranheza, não é mesmo? Gratidão por levar uma bofetada? A psicóloga é quem pirou de vez! Rs

 

É certo que a ingratidão fere a nossa alma lá no fundão, não é? É aquele “vácuo” que a pessoa lhe dá, sem uma razão plausível. Mesmo após ter dispensado toda a sua consideração, a pessoa age como se nós não tivéssemos feito mais do que a nossa simples obrigação. É claro que fazemos isso ou aquilo sem pensar em emitir nota fiscal, mas passarmos por invisíveis. “Ah, isso não, já é demais!”. Provavelmente este pensamento já povoou a sua mente.

 

Vou ambientá-lo em alguns cenários para você entender aonde eu quero chegar.

Cena um:  horas dispensadas do rico soninho da madrugada para acalmar aquela amiga que terminou o namoro com o boy, e depois quando fazem as pazes, você é excluído (a) das redes sociais dela.

Cena dois: De supetão você recebe uma declaração de término de relacionamento, após num trabalho exaustivo de anos ter feito o seu cônjuge crescer e acreditar em si, e agora ele (ela) voa com as próprias asas, mas não o(a) leva junto na empreitada.

Cena três, top: aquele amigo coitado que não tinha nem como pagar a conta de luz, com três filhos, um de cada relacionamento e que você recomendou para ser seu colega de trabalho na sua empresa por achá-lo extremamente competente, mas que acabou de puxar o seu tapete, ocupando o lugar de chefe que já estava reservado para você. Fora o ar de tirano que ele assume, que vamos combinar, é a cereja do bolo da situação, não é?

Eu poderia ficar enumerando as situações aqui, mas perdi o fôlego só de contar! A princípio, investe-se esperando uma resposta de volta. E quando não há esse feedback, nós nos sentimos os piores dentro da nossa espécie. Parece que não somos suficientes ou merecedores para isso ou aquilo, ou espertos o bastante para detectar a trairagem do outro (que se você parar para analisar friamente, vai ver que já estava dita desde o início e não percebeu, ou não quis perceber). E haja autoflagelação! Será que você precisa se torturar tanto assim?

Vamos lançar um olhar para o todo relacional, com os ânimos calmos e a poeira baixa?

O que este relacionamento amoroso/amizade/relação de trabalho significa para você? Você se encontra presente e lúcido nestas situações? Como se constrói esta ética relacional entre você e a outra parte?  Via de mão única ou dupla?

Há regras entre duas pessoas, mesmo quando não há regras. Confuso isto? Vou explicar: quando você se furta a dizer o que o agrada ou desagrada, você está fazendo disto uma lei. O que é discutido, ou não, vira regra. Regras essas que não são ditas, mas subentendidas, muitas vezes com malícia da outra parte que se vale da inocência e permissão do outro para fazer a sua verdade prevalecer. Daí o sentimento de ter sido traído por aquela pessoa tão amorosa e afável no início das coisas.

Por outro prisma, podemos observar que algumas pessoas podem não estar prontas para dar ou receber aquele afago, aquela acolhida. Aprenderam durante toda uma vida a não dar, a investir, ou pior, a não serem dignos de amor, de cuidado e consideração alheia. No contato com o outro, anulam toda tentativa de reconhecimento de afeto vindo do outro, uma vez que seria algo absurdamente atípico para elas.

Momentos de tormenta e descrença mantém pessoas cegas, paralisadas e amargas, impedidas de perceber o que o mundo está oferecendo neste momento.

Não posso deixar de citar o simples fato de as pessoas vivem à base de escolhas, o tempo todo. Muitas pessoas podem não reconhecem o outro faz porque não querem estar no lugar de comprometer-se a pagar a dívida de devolver na mesma moeda.

Independentemente do fato de como o outro reage ao seu investimento, esta energia faz parte de você. Portanto, não deve rechaçá-la, mas abraçá-la, ser grato(a) e se orgulhar, pois naturalmente exala uma virtude tão escassa nos dias de hoje, em meio a um mundo de relacionamentos líquidos e fugazes, que é o amor ao próximo.

 

Fernanda Relva

Psicóloga clínica e escritora nas horas vagas

CRP 05/41716 

 

 


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