O principal objetivo da Psicologia e da Psiquiatria têm sido compreender e tratar o sofrimento humano. Nesse sentido, grande parte das abordagens em psicoterapia e dos tratamentos psiquiátricos servem para que possamos voltar a um desempenho que tínhamos antes de passar por um momento difícil. A Psicologia Positiva, no entanto, busca romper essa lógica: e se ao invés de olharmos para os traumas como necessariamente prejudiciais, pudéssemos extrair deles contribuições para o nosso crescimento?
Em seu livro Florescer, Martin Seligman (principal nome dessa nova abordagem psicológica) discute como temos dado ênfase ao diagnóstico e tratamento do Transtorno de Estresse Pós Traumático (TEPT) ao invés de nos voltarmos para uma expansão na capacidade de enfrentamento dos traumas. Provavelmente você já deve ter ouvido falar no tema ou até conheça alguém acometido por esse transtorno, mas deve ter ficado curioso com o título deste artigo. O termo ‘’Crescimento Pós Traumático’’ é pouco conhecido mesmo entre profissionais de Saúde Mental, ainda que os dados mostrem que seja um fenômeno bem mais frequente. Pesquisas relacionadas ao TEPT indicam que pessoas que receberam o diagnóstico já apresentavam indicadores significativos de sofrimento psíquico e que ele pode ser visto mais como uma exacerbação de sintomas preexistentes de ansiedade e depressão do que propriamente TEPT. Ao focarmos exclusivamente nas dificuldades geradas por um trauma, corremos o risco de cair no que em Psicologia chamamos de profecia autorrealizadora: se só consigo voltar a atenção para os aspectos negativos de um evento, a tendência é de que irei sempre buscar outros elementos que confirmem essa visão, gerando assim uma espiral de tristeza e pessimismo. A intenção aqui não é negar que existem pessoas em situações debilitantes após passar por um evento traumático, mas de que, na maioria dos casos, o trauma pode criar condições propícias para o seu crescimento.
Podemos estabelecer cinco elementos que são essenciais para o Crescimento Pós Traumático. O primeiro deles é compreender a reação ao trauma em si: o que essa situação diz sobre você mesmo, suas crenças, sua história, suas expectativas com relação aos outros e ao futuro? Em segundo lugar, aprender a reduzir a ansiedade (técnicas de relaxamento muscular, atividade física, meditação, identificação de pensamentos automáticos e de modificação de comportamentos) pode melhorar a forma como você lida com o trauma. Ao mesmo tempo, é preciso treinar uma autorrevelação construtiva do que aconteceu. Em outras palavras, evitar o contato com conteúdos traumáticos mantém a dificuldade em lidar com eles; ao invés disso, é preciso estimular que a história seja relatada, ainda que de início seja doloroso fazê-lo. Assim como na ansiedade, entrar em contato com o que nos é aversivo vai progressivamente diminuindo a intensidade das nossas respostas. Feito isso, é hora de criar uma narrativa do trauma, ou seja, reinterpretar aquele evento e perceber que ele mudou não só o contexto de nossas vidas, mas também nos trouxe certos aprendizados. Para algumas pessoas esse ponto pode ser particularmente difícil. Você poderia questionar: que tipo de aprendizado uma mãe poderia ter com a perda de um filho, por exemplo? Nesse momento lembro das lições do livro Em Busca de Sentido, de Viktor Frankl, psicólogo sobrevivente dos campos de concentração nazistas. Nele, Frankl nos mostra que ainda que não tenhamos total controle sobre as circunstâncias, podemos escolher o que fazer diante delas. O luto é um sentimento genuíno e esperado ao se perder um filho; mas a escolha sobre como lidar com essa nova realidade pode gerar tanto uma vida de tristeza, culpa e impotência como de aceitação, aprendizado e gratidão. A descoberta de novos princípios e posições frente aos desafios são justamente o elemento final que nos leva a ressignificar a situação traumática e fazer com que possamos não só aprender mais sobre nós mesmos mas também desenvolver confiança diante de novas provações.
‘’Viver é sofrer’’. Embora seja uma tradução comumente usada para a primeira das Quatro Nobres Verdades de Buda, ela é uma simplificação de seu pensamento. Na verdade, seu significado é que dentro da própria experiência de felicidade há, ao mesmo tempo, a causa de uma experiência de sofrimento. Sofremos por não ter algo e, quando o conseguimos, sofremos por temer perdê-lo ou por não corresponder mais às nossas expectativas. Não há vida vivida sem traumas. Que escolhas você fará diante deles?
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