Imagine a seguinte situação: um amigo compartilha uma notícia polêmica em um grupo de Whatsapp. Dois exércitos começam a se posicionar e se preparam para a troca de argumentos. Uma discussão começa. Ninguém parece disposto a ceder; em desespero, alguns soldados começam a cogitar o uso de armas mais pesadas e partem para ataques pessoais. O clima se intensifica e termina com muitos feridos. Há destroços por toda parte: famílias desunidas, amizades desfeitas.
Os últimos anos têm sido de fato muito turbulentos: diversas manifestações, mudanças de governo e crises político-econômicas ocorreram no Brasil e no mundo. Cada um tem o direito de tirar suas próprias conclusões sobre esses eventos, mas muitos têm tido dificuldades em lidar com as divergências. Embora muito se discuta sobre as origens ideológicas dessa polarização, não seria ela, mais do que isso, uma polarização emocional?
É preciso lembrar que, além do ambiente, nossas emoções também são fruto da influência de fatores genéticos e cognitivos (ou seja, dos nossos pensamentos), fazendo com que cada um desenvolva sua própria maneira de reagir. A habilidade em identificar e responder adequadamente às nossas emoções, como todo aprendizado, exige tempo e esforço, tornando-se ainda mais importante nas nossas relações. Podemos adquiri-la ao fazer uma análise de cada situação: o que se passava pela minha cabeça quando me sentia assim? Onde estava? Como me comportei? Que evidências indicam que meu pensamento era verdadeiro? Há evidências que indicam o contrário? Há outras explicações possíveis? No início pode parecer cansativo, mas isso ajuda a entendermos o que pensamos, sentimos e o que fazemos diante dos problemas. Sem isso, corremos o risco de reduzir nosso repertório emocional aos extremos e, assim, limitar nossa capacidade de adaptação num mundo cada vez mais complexo e muitas vezes ambíguo.
Mas e o nosso juízo crítico? Diferentemente do que costumamos acreditar, razão e emoção não são lados opostos de uma mesma moeda. Pesquisas em neurociências têm demonstrado que o córtex pré-frontal, região do cérebro responsável pela tomada de decisões, coleta informações não apenas de uma avaliação racional mas também dos aspectos emocionais envolvidos ao resolver determinado problema. Ou seja, os dois estão sempre interligados! Em alguns casos, inclusive, podemos acabar confundindo nossas emoções com argumentos racionais (o que os terapeutas cognitivo comportamentais chamam de raciocínio emocional), quando, por exemplo, pensamos que ''se sinto tristeza, é porque tudo dá errado em minha vida'' ou ''se sinto ciúmes, isso significa que vou ser traído''. Nesse sentido, durante uma discussão, como você tem se manifestado? Através de seus conhecimentos sobre do tema ou com os sentimentos que você tem em relação a ele? E como você se informa? Procurando compreender o que acontece ao seu redor ou filtrando aquilo que possa lhe servir como munição?
Estamos diante de um enorme desafio - talvez um dos maiores da história. A pandemia nos pegou de surpresa e fez com que todos tivessem de se isolar em suas casas. Estamos separados e, além disso, divididos. A polarização emocional que vivemos só contribui para a diminuição da nossa capacidade de resolver esse e os inúmeros problemas que teremos de enfrentar daqui em diante.
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