A Campanha Janeiro Branco possui o intuito de prevenir o adoecimento emocional da humanidade através do convite à reflexão sobre o sentido e o propósito das suas vidas, a qualidade dos seus relacionamentos e o quanto elas conhecem sobre si mesmas, suas emoções, seus pensamentos e sobre os seus comportamentos. Para pensarmos no que propões a campanha gostaria de refletir neste texto sobre o cuidado. O que é o cuidado para você? Como o cuidado está presente na sua vida?
Cuidado significa desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção, bom trato. Cuidado é mais do que um ato singular ou uma virtude. É um modo de ser, isto é, a forma como a pessoa humana se estrutura e se realiza no mundo com os outros e consigo mesma. É um modo de ser-no-mundo que funda as relações que se estabelecem com todas as coisas.
Então, pensando no cuidado, Boff (2002) nos diz que: “Cuidar é mais que um ato; é uma atitude”. Sendo assim, precisamos nos ocupar do cuidado, fazendo com que este vá além da atenção e do zelo. Isto é uma atitude de ocupação, preocupação, responsabilização e envolvimento consigo, com o outro e com o mundo.
O cuidado precisa acontecer nestas três dimensões: eu, o outro, o mundo.
- De que forma você está cuidando da sua vida?
- De que forma você está cuidando das suas relações?
- De que forma você está cuidando do mundo?
Pode acontecer que nos dedicamos muito ao cuidado do outro e esquecemos de nos cuidar. Em outra situação ficamos só voltados para nós mesmos e esquecemos de cuidar das relações. Ou achamos que o cuidado com as coisas do mundo não são minha responsabilidade.
POR QUE ESTAMOS FALANDO TANTO DO CUIDADO?
A possibilidade para uma vida autêntica, uma vida que faz sentido, só é possível através do cuidado. Mas não é o cuidado que usamos no nosso fazer diário quando nos preocupamos com a alimentação, com a vestimenta, ou com a casa. É o cuidado que leva o ser à abertura para o universo existencial, aquele que dá significado à vida e possibilita um viver mais próprio. Assim, o autoconhecimento é cuidado pois, nos permite perceber de que forma estamos nos relacionando conosco, com os outros e com o mundo.
O AUTOCONHECIMENTO NOS PERMITE RECONHECER NOSSO CONTORNO
Muitas vezes perdemos nosso contorno conforme vamos construindo nossa historicidade: nascemos em um mundo pronto, com uma moral definida, com regras, com certo e errado.
Na nossa família, na escola, as pessoas próximas já vivem com seus conceitos prontos e assim, vamos nos construindo a partir disto. Nem tudo que observamos é algo que nos faz bem ou faz sentido. Mas podemos viver a nossa vida toda desta forma, sem nos questionarmos quem somos nós dentro de todo o contexto que vivemos.
Podemos não conseguir identificar o que é meu e o que é do outro e vamos ficando misturados. Um exemplo disso é a escolha da profissão, muitas vezes é influenciada pelos pais ou pessoas próximas. Vamos só repetindo padrões e crenças sem refletir se realmente faz sentido para nós. É como colocar um sapato que é muito menor do que seu número, até podemos conseguir caminhar com ele, mas algumas feridas podem surgir, nossa postura pode ser alterada. Viver uma vida que não é minha vai por esse caminho, nos leva ao adoecimento e podemos morrer em vida.
Começar a refletir sobre quem se é, quais são os próprios desejos e quais são os dos outros; perceber se uma determinada crença faz sentido para sua vida ou se isso é de outra pessoa. Olhar para tudo isso possibilita fazer essa separação. Pompéia (2000) fala dos dois nascimentos do ser humano, o primeiro nascimento onde se recebe um mundo pronto, e o segundo quando rompemos com aquilo que não faz sentido e vivemos de uma forma mais apropriada.
Normalmente quando vivenciamos uma situação difícil, que nos desestrutura é que vamos olhar para nossa vida. Uma doença grave, um acidente, a morte de alguém querido. Mas isso pode se dar não apenas quando esses momentos difíceis acontecem, mas quando nos abrimos para o autoconhecimento, para olharmos para nossa historicidade e refletirmos sobre se estamos vivendo uma vida com sentido. Se estou vivendo a vida como quero ou se estou vivendo a vida para agradar o outro.
Os questionamentos podem surgir em diversas etapas da nossa vida, mas nem sempre são claros. Eles normalmente aparecem de formas disfarçadas, como incômodos, irritação, adoecimento constante, crises de ansiedade, depressão. O sintoma pode se tornar um grande aliado, pois, ele nos dá uma chance de nos olharmos, é um chamado para prestarmos atenção ao que está acontecendo conosco.
Alguns caminhos podem nos ajudar a olharmos para nós mesmos, para nos autoconhecermos:
Respiração: prestar atenção na respiração faz você retomar a intimidade com você mesmo, com quem você é. E essa intimidade é que ajuda a distinguir seus contornos.
Silêncio: poder ficar alguns momentos em silêncio, sem estar conectado, simplesmente poder se ouvir.
Meditação: observar a mente sem interação ou julgamento, pela percepção de padrões e pelo contato com o nosso vazio que nos possibilita ser.
Yoga: praticar yoga nos possibilita perceber a união mente e corpo trazendo a mente para estados mais conscientes.
Contato com a natureza: ficar um tempo em contato com a natureza, em silêncio, respirando, nos ajuda a nos reconectarmos com quem somos. A natureza e o silêncio oferecem a quietude necessária para observar a si mesmo com maior nitidez.
Artes: Através do lúdico conseguimos nos conectar conosco e nos conhecer melhor.
Psicoterapia: Vivenciar um processo psicoterapêutico pode contribuir para o autoconhecimento. Aqui é importante deixar claro o que é e, o que não é a psicoterapia.
A psicoterapia não é um recurso de repressão social destinado a corrigir as pessoas que estão erradas, que se julgam erradas, ou que são julgadas erradas por qualquer tipo de grupo. Também não é o lugar onde são aprendidos os valores, as normas e mesmo as “dicas” que uma pessoa deveria seguir na eventual solução de uma situação difícil. O psicoterapeuta não está ali para ensinar, mas para acompanhar o seu cliente. Assim, a psicoterapia não corrige as pessoas e não dá respostas.
A psicoterapia é um espaço que propicia o poder ver-se, sentir-se e perceber-se. Também é um lugar de procura, via linguagem poética da verdade que liberta. Assim, na psicoterapia, o que fazemos é reencontrar a nossa verdade através do caminho do coração. E quando encontramos nossa verdade nos libertamos.
Bibliografia consultada:
BOFF, L. Saber cuidar – ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
POMPÉIA, J. A. Os dois nascimentos do homem - escritos sobre terapia e educação na era da técnica. Rio de Janeiro: Via Verita, 2011.
Por Débora Rafaelli
Psicóloga Existencialista e Arteterapeuta
CRP: 06/103056
https://psicoclique.com.br/psicologo/103056/debora-rafaelli
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Instagran: Ser com sentido
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