Na correria diária, principalmente numa cidade como São Paulo, com muita frequência entramos no piloto automático deixando de ver o que está ao nosso redor e de nos perceber diante das situações que surgem. Perdemos assim, a possibilidade de observar situações muito ricas que podem nos trazer uma oportunidade de reflexão e grande aprendizado, sejam elas engraçadas, tristes, estranhas, assombrosas ou emocionantes.

Para não cair no automatismo, procuro estar atenta, às situações que acontecem em meu entorno, tanto no trabalho, quanto na rua ou em casa; observando um gesto, uma fala, um olhar, um fazer, um não fazer. E numa dessas observações percebi um incômodo, que eu não sabia explicar o que era, me levando a uma reflexão que gostaria de compartilhar.

Ao final do expediente de trabalho fiquei sabendo que bem perto dali estava acontecendo um bazar de produtos importados. Achei interessante, e como tinha um tempo antes do meu atendimento na clínica resolvi dar uma olhadinha junto com uma colega. Chegando na sala onde estava instalado o bazar verifiquei algumas mesas, araras e prateleiras dispostas pela sala com produtos diversos. Contudo, o que mais me chamou atenção não foram os produtos, mas as três mulheres responsáveis pelo bazar que estavam cada uma em um lado da sala. Seus olhos brilharam com a nossa chegada dando a impressão de estarem ávidas para venderem seus produtos. Elas nos receberam e explicaram que viajaram para os Estados Unidos e trouxeram alguns produtos para revender.

Resolvi dar uma olhada nos produtos e percebi que nem os produtos e nem os preços despertaram meu interesse. Depois de alguns minutos, quando elas perceberam nossa falta de interesse, uma das mulheres falou para nós: “Meninas, não fiquem acanhadas, se joguem!” Essa frase bateu em mim causando muita estranheza, mas não conseguia identificar qual era o incômodo.

Quando saímos do local, sem comprar nada, a sensação era de alívio, mas a frase “Meninas, não fiquem acanhadas, se joguem!”, não saiu da minha cabeça.

No dia seguinte fiquei sabendo que as responsáveis pelo bazar acharam que eu era da polícia federal e pensaram que a qualquer momento eu iria pedir as notas fiscais e confiscar seus produtos. Creio que elas pensaram isso porque eu “não me joguei” e não saí carregada de produtos. Mas o que quero ressaltar é que foi muito mais fácil pensar em uma estória mirabolante, do que pensar que eu simplesmente posso não ter me interessado pelos produtos, ou que sou o tipo de pessoa que procuro não comprar por comprar.

Como já mencionei, a expressão “se joguem” me chamou a atenção. Qual o significado dessa expressão para aquelas mulheres? Me pareceu que o esperado por elas é que ficássemos enlouquecidas com os produtos, e começássemos a experimentar as roupas, bolsas, perfumes, cremes e consequentemente saíssemos do local abarrotadas de produtos. O comportamento delas reflete a mentalidade consumista atualmente em voga, ou seja, se jogar ao consumo irrefletido e voraz sem nenhum tipo de reflexão sobre a necessidade de adquirir as mercadorias. Por minha reação não ter sido a esperada por elas, isso as chocou de tal modo que pensaram que eu era da Polícia Federal.

Refletindo sobre o porquê elas pensaram que eu era da Polícia Federal concluí que para as mulheres a única possibilidade dada, naquela situação era a de consumir, de modo que a minha atitude as levou a pensar que algo errado estava acontecendo.

Se lançar às compras pode ser uma possibilidade, mas não a única. Essa possibilidade agrada a sociedade de consumo que propõem a eliminação da angústia e a obtenção da felicidade, como em um passo de mágica, e compra incontrolável de produtos. Repare como somos bombardeados por todos os lados com mensagens apelativas que nos estimulam a consumir. O problema não é comprar, pois vivemos em uma sociedade que tem estabelecido relações de compra e venda de produtos, mas o modo como o consumo acontece, sem reflexão e de uma forma automática, preenchendo os vazios que não temos coragem de olhar.

Nos permitir entrar em contato com nossos medos, angústias e ansiedades pode nos possibilitar o rompimento com o espírito de manada, nos propiciando vivermos de uma maneira mais autêntica, com mais sentido. Pois quando refletimos podemos ir contra o pensamento estabelecido como questiona Lya Luft:

“Me joguei, me lancei para a vida, e a tudo que ela oferece, aos sabores e dissabores, a calmaria e à tempestade? Defrontei-me com meus medos e demônios não nomeados ou apenas segui o espírito de manada?”

Poder olhar para si, se autoconhecer, se permitir entrar em contato com os medos e as angústias nos dá a possibilidade de vivermos de forma mais autêntica, mais conectados com o que traz sentido para nossa vida.

E aí, você tem enfrentado seus medos, ou apenas está seguindo o espírito de manada, se jogando às compras para aliviar a angustia que surge de vez em quando?

 

Por Débora Rafaelli
Psicóloga Existencialista e Arteterapeuta - CRP: 10/3056

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