O Poliamor: Diante das profundas transformações ocorridas na sociedade ocidental ao longo dos últimos milênios, com o advento da pílula anticoncepcional, os movimentos feministas e gay e a revolução tecnológica, é comum observar o quanto a experiência amorosa também se modificou e há sinais de que caminhamos para novas formas de relacionamentos amorosos, diferentes da tradicional monogamia, refletindo a fragilidade dos laços afetivos e dos vínculos que são estabelecidos socialmente nos novos tempos, o que pode de início gerar estranheza.
Tendemos a pensar no amor como algo atemporal. O amor é uma construção social que em cada época e lugar se apresenta de uma forma. Quando examinamos a sua história nos damos conta de que a forma como amamos têm sido moldada culturalmente.
O amor admite tendências de modo que no reinado de Luís XIII não se amava como na era de Carlos X. Em última análise, uma forma de amor não deve ser vista como superior ou mais verdadeira do que outra, se sobrepondo sobre as demais.
O leque de escolhas diante do amor se amplia, no qual o amor pode se apresentar para cada pessoa, em cada momento, de diferentes maneiras, onde há mais liberdade, satisfação, solidariedade, companheirismo e amizade.
Abre-se um espaço para um novo mundo de possibilidades amorosas, que respeitam a individualidade dos envolvidos. A aproximação será entre pessoas inteiras, pelo prazer da companhia, por se sentir amado e desejado, ter projetos em comum, por haver mais reciprocidade e harmonia no relacionamento e não mais haverá espaço para a dependência, para o ciúme, para a possessividade, para a idealização afetiva, para a exclusividade entre parceiros, e para sacrifícios pelo outro.
Os questionamentos acerca do amor acompanham grande parte dos indivíduos por quase toda a vida, neste panorama, o poliamor, enquanto forma de relacionamento amoroso, vem na contramão do amor romântico que pauta a configuração socialmente aceita para as relações amorosas, por admitir que uma pessoa possa estabelecer múltiplos afetos por várias pessoas simultaneamente com o conhecimento e consentimento dos envolvidos.
O poliamor tem sido apontado como uma forma de não monogamia responsável, e se mostra como “especialmente ameaçador e perturbador das normas monogâmicas”. Tal fato ocorre devido ao poliamor admitir o envolvimento de mais de duas pessoas ao mesmo tempo, opondo-se à monogamia que permite uma relação unicamente entre duas pessoas. Sendo assim, o presente texto tem como objetivo, compreender melhor os aspectos envolvidos na dinâmica do poliamor, trazendo uma contribuição reflexiva, mas não determinante.
Etimologicamente a expressão poliamor é uma palavra híbrida: do grego “poli” que significa muitos, e o termo amor vem do latim. O verbete poliamor descreve relacionamentos amorosos múltiplos, e relações interpessoais que recusam a monogamia como princípio ou necessidade. Por outras palavras, o poliamor afirma o estabelecimento de vínculos afetivos e/ou sexuais, profundos e eventualmente duradouros entre mais de duas pessoas, o que intitula de não-monogamia responsável.
O poliamor é uma teoria psicológica que começa a descortinar-se para a Psicologia. Esse tipo de relação é centrada no amor mais do que no sexo, trata-se de uma gama de sentimentos que se desenvolvem em relação a várias pessoas, e que vão além da mera relação sexual. O poliamor surge como uma prática não condizente com a tradicional monogamia, que coloca em pauta toda essa ênfase no amor exclusivo.
Dentro do relacionamento poliamoroso o mais importante não é com quem o parceiro teve uma relação sexual, mas sim sua conexão através de laços de afetividade, sendo estes sua causa originária e final.
O poliamor como opção ou modo de vida recusa a monogamia como princípio ou necessidade, o que possibilita aos adeptos experiências de estarem envolvidos em relações íntimas, profundas e eventualmente duradouras com várias (os) parceiras (os) simultaneamente.
O poliamor é uma prática que partilha abertamente e eticamente amores múltiplos. É uma relação em que é possível e aceitável amar várias pessoas e manter muitas relações íntimas e sexuais simultaneamente, sendo aberto e honesto dentro deste relacionamento.
No poliamor existem as seguintes configurações típicas listadas a seguir:
Primário-plus: É quando um casal que esteja dentro de um relacionamento fixo decide procurar individualmente novas relações. Pode existir um grande investimento nesses novos relacionamentos, ou apenas virarem amantes ocasionais.
Tríade: É quando três indivíduos estão comprometidos num relacionamento estável. É comum também que casais já consolidados aceitem a entrada de um novo membro no relacionamento, caracterizando a tríade.
Individual com vários primários: Quando o indivíduo não estabelece nenhum relacionamento sério, passa a se envolver fortemente com ambos os parceiros já estabelecidos.
Casamento de grupo ou polifamília: Quando é formado um sistema estável de relação compartilhada. Nesse contexto, pode acontecer de existir um acordo de exclusividade sexual dentro do grupo. Se houver parceiros fora do grupo é preciso que haja um consenso entre os envolvidos, e de como essas relações se darão.
Redes Íntimas: Se daria entre “amigos” eróticos onde podem se criar relações dos mais variados graus de intimidade.
Polinamoro: Seria assumir vários compromissos de namoro com vários parceiros, onde existiria relação íntima livre entre todos os participantes.
O Poliamor Enquanto Movimento
O poliamor enquanto movimento começou a ganhar maior notoriedade, desde o século passado. O termo ‘poliamor’ enquanto identidade relacional não é natural, é um conceito inventado que surgiu precisamente na década de 1990 e como movimento existe de um modo visível e organizado nos Estados Unidos há mais de 20 anos, acompanhado de perto por movimentos na Alemanha e Reino Unido.
Recentemente, a imprensa começou a cobrir abertamente, quer o movimento poliamor em si, quer episódios que lhe são ligados. Em novembro de 2005 realizou-se a Primeira Conferência Internacional sobre Poliamor em Hamburgo, Alemanha, evidenciando a relevância da discussão e da disseminação de tal temática.
O movimento defende que a estabilidade das relações afetivas (fidelidade) não está vinculada a exclusividade afetiva e/ou sexual e elabora o conceito de compersão, que se refere ao sentimento de felicidade que a pessoa tem ao perceber que seu companheiro (a) está amando ou sendo amado (a) por outra pessoa.
Uma alegria que emerge dos enamoramentos possíveis numa constelação (nome que se dá aos arranjos afetivos no âmbito do poliamor), já que o casal não contempla a diversidade de relações que envolve a prática amorosa. A compersão não é dada como uma capacidade que se adquire automaticamente ao se aderir a uma relação poliamorosa, mas algo que se pode alcançar nas relações e para a qual não existe uma fórmula.
Estudos etnográficos demonstram que a fidelidade não é natural, mas comprovam que a infidelidade sofre influência de fatores psicológicos, culturais e genéticos e que não existe nenhum tipo de evidência biológica ou antropológica na qual a monogamia é “natural” ou “normal” no comportamento dos seres humanos.
O fato é que a monogamia não é a única estrutura válida de relacionamento sexual, são muitos os modos de se vivenciar esta prática, quando e com quem tivermos o desejo e do modo que for melhor para cada um e assim, são muitas as maneiras de ser fiel por se tratar de um conceito subjetivo.
Os poliamoristas afirmam que não existe o desejo de posse e domínio sobre o outro, sendo que cada parceiro está interessado na felicidade do outro e não se sente na obrigação de ser completamente responsável por ela, muito menos cobra ou exige do outro responsabilidade integral sobre a sua felicidade no amor.
Há que se esclarecer de início, que o amor é uma crença emocional. Sendo assim, é passível de mudança, podendo manter-se inalterável ou ser repensado, reavaliado, substituído, exonerado, lapidado, piorado ou abolido, sendo que nenhum dos seus conteúdos afetivos é fixo por natureza.
O poliamor é apenas mais uma das facetas do relacionamento amoroso, onde abre-se a possibilidade de se amar e de se relacionar sexualmente com vários indivíduos simultaneamente, havendo sentimento de amor recíproco entre todas as partes envolvidas no enlace.
Visto desta perspectiva o poliamor, abre campo para que homens e mulheres passem a desfrutar de uma maior liberdade e possam decidir sobre quantos parceiros amorosos e/ou sexuais desejam ter, em contramão à monogamia, tão disseminada em nossa cultura.
Obviamente, ninguém chega ao poliamor repentinamente, isto é algo que se pode alcançar após um longo processo de desenvolvimento pessoal e para o qual não existe uma fórmula. Nossa cultura coloca tanta ênfase na ditadura da monogamia compulsória de maneira que poucas pessoas se dão conta de que podem decidir sobre quantos parceiros afetivos e sexuais desejam ter.
É necessário um talento para relacionamentos íntimos e um maior nível de autoconsciência e habilidades interpessoais para ser bem sucedido no poliamor do que requer a monogamia. Tudo indica que a tendência nas relações amorosas é não haver modelos, ou seja, a escolha de cada um pela sua forma de viver.
Em 2012, na cidade de Tupã, interior de SP, no dia 23 de agosto, foi registrada em cartório a primeira união entre um homem e duas mulheres, ou união poliafetiva como está sendo chamada. E esta união vem justamente questionar esta estrutura familiar tradicional que conhecemos.
Este caso já é considerado o primeiro caso de união poliafetiva no Brasil e por sua singularidade dá margem para debates não só no âmbito jurídico, mas também no sócio cultural uma vez que quebra paradigmas, há muito arraigados em nossa cultura e das consequências que estes podem causar como a desestruturação da entidade familiar como conhecemos.
Assim sendo, há muito que se discutir sobre a união poliafetiva sobre o que é considerado certo ou errado pela sociedade. Pois muitos receberão o assunto com estranhamento, considerando que não se deve aceitar somente por que existe afetividade entre as pessoas, não devendo conceber este tipo de união no ordenamento jurídico.
Na sociedade atual as pessoas, por se sentirem mais livres e buscarem a realização pessoal, estão cada vez mais tolerantes, e com isso expande-se o conceito de família, passando a enlaçar todas as formas de convivência que se estruturam a partir de um comprometimento amoroso, desta forma, a união poliafetiva é mais uma das diversas formas atuais de família.
Ainda são poucas as publicações científicas que abordam a temática poliamorista e que permite conhecer as características das pessoas que optam viver esta modalidade de relacionamento. Algumas comprovações que serão citadas foram realizadas por estudos de Weitzman, que resolveram escrever aos psicólogos com o intuito de comunicar-lhes o que precisavam saber sobre o poliamor.
O público alvo que almejava alcançar era principalmente os profissionais que trabalhavam na área clínica, pelo fato de perceberem a existência de uma preocupação com a saúde mental daqueles que optavam por viver nesta nova forma de relacionamento.
A intenção era capacitar os psicólogos clínicos para lidar de maneira adequada com as pessoas que se intitulam poliamoristas perante a sociedade, caso elas buscassem ajuda. Ao realizar uma revisão da literatura na área, eles verificaram que existe uma grande quantidade de evidências empíricas para apoiar a viabilidade deste estilo de relacionamento e a estabilidade dos adeptos do poliamor.
Estudos realizados por Knapp e Rubin chegaram às seguintes constatações:
- Os poliamoristas não são neuróticos, menos evoluídos emocionalmente ou sexualmente inadaptados;
- Casais com casamentos abertos na Holanda tiveram níveis em relação à satisfação conjugal, de autoestima, e de neuroticismo similares em relação à amostra padrão com o casamento nos moldes monogâmicos tradicionais;
- Não existem disparidades nos arranjos e felicidade de casais monogâmicos e poliamorosos;
- Não houve desproporção significativa referente à estabilidade conjugal de casais exclusivos e poliamorosos.
Essas verificações acabam posicionando a relação poliamorosa muito próxima dos níveis de satisfação se comparado à monogamia. Mesmo não se exigindo exclusividade entre os parceiros, vemos que a forma de se relacionar e a saúde do relacionamento não são prejudicadas.
Em uma pesquisa conduzida por Pilão e Goldenberg foram detectadas quais concepções homens e mulheres que vivem uma relação poliamorosa têm sobre tal prática. Os pesquisados sempre colocaram o relacionamento poliamoroso como um resultado da evolução na maneira de amar.
Para esses estudiosos essa relação se sobressai à monogamia por ser menos propensa ao ciúme, à competição, ao controle, à posse e a mentira. Não tendo esses traços, as relações poliamorosas, segundo os pesquisados, seriam mais saudáveis e inclinadas ao sucesso em termos de satisfação e de durabilidade da mesma. Entre os praticantes do poliamor ter algum desses tipos de comportamento seria voltar às margens da monogamia, e viver práticas não poliamorosas.
Macklin apresentou uma sinopse na qual estariam descritos os problemas mais comuns de casais não tradicionais, são elas:
- Diálogo ineficaz entre os parceiros;
- Faltam habilidades para a resolução de problemas;
- Sentimentos de culpa referente à filosofia de vida escolhida;
- Surgimento do ciúme;
- Se sentir deixado de lado na relação, sendo excluído de determinados eventos dos parceiros;
- Falta de arsenal emocional para lidar com as implicações das relações;
- Desprestígio social e de pessoas significativas;
- Falta de pertencer a um grupo externo à relação, onde os indivíduos podem compartilhar com liberdade os detalhes referentes ao seu modo de vida;
- Sentimentos de isolamento, solidão e insegurança.
Considerações sobre o Poliamor
A monogamia nos estimula a investir nossa energia afetiva e/ou sexual em uma única pessoa. Um dos pressupostos universalmente aceitos em nossa sociedade é que a monogamia é a única estrutura válida e satisfatória de relacionamento e raramente é questionada.
Nós ficamos impressionados com a visão do amor e do sexo dentro de novas formas alternativas de relacionamentos, que não são pautados na exclusividade e nem na idealização do parceiro. Observa-se por este trabalho que independente do que irá predominar nas relações amorosas no futuro ao que tudo indica novas estruturas de relacionamento serão cogitadas, livremente escolhidas e isso abrirá espaço para o crescimento dos adeptos do poliamor.
O poliamor emerge como uma dinâmica afetiva que abrange múltiplos enlaces amorosos e nos remonta para a capacidade de amar do ser humano e de sua capacidade de escolher o tipo de relação interpessoal que mais se adapta as suas necessidades e características de personalidade.
Uma nova perspectiva de relacionamento, em que as pessoas que praticam o poliamor não possuem personalidades patológicas, não são emocionalmente imaturas ou sexualmente desajustadas, nem tão pouco se diferenciam dos indivíduos que estabelecem relacionamentos monogâmicos, pois os dois tipos de relacionamento, monogamia ou poliamor, possibilitam o mesmo nível de satisfação conjugal e auto-estima.
Marcelo Souza
Especialista em Terapia de casal e família pelo ITFSP - Instituto de Terapia Familiar de São Paulo
Sócio Titular da APTF - Associação Paulista de Terapia Familiar
E-mail: contato.psico.marcelo@gmail.com
Ao amor como motor e fio condutor sempre! :-)
Conteúdo relacionado
Vamos Olhar Para Dentro?
Você tem clareza sobre suas necessidades? No relacionamento, consegue comunicá-las ao outro?... continue lendo
Não Trago A Pessoa Amada, Mas Entendo A Sua Dor
Como cuidar de um coração partido, aprenda a cuidar...... continue lendo
O Ciúme Na Adaptação Conjugal
O ciúme é inerente a condição humana. Mas se sua existência for de forma excessiva, é capaz de trazer diversos problemas nas relações, além de causar grande sof... continue lendo
Dependência Emocional
A dependência emocional é um estado em que o indivíduo não se sente suficiente, levando a uma sensação de incapacidade, de descontentamento e de indecisão perma... continue lendo
O Ciclo Do Relacionamento Abusivo
Ao longo da minha experiência profissional eu venho percebendo um ciclo nas relações abusivo: relação abusiva, perda de recursos emocionais, vulnerabilidade, de... continue lendo
O Terapeuta Como Tradutor Do Diálogo Terapêutico
Tudo parte de um contexto relacional, a partir das pessoas com as quais conversamos, nos relacionamos e amamos. Logo, a relação se torna fundamental e a peça ce... continue lendo
Mapa Amoroso
Quando temos que escolher nosso par amoroso, porque escolhemos uma determinada pessoa e não outra?... continue lendo
A História Do Casamento E O Relacionamento Conjugal
Hoje em dia, o casal se escolhe por amor, pelo desejo, pelos projetos em comum, por gostarem da companhia um do outro, o que pode aumentar as expectativas... continue lendo
A Era Digital E O Relacionamento Conjugal
Vivemos num mundo complexo, globalizado e altamente tecnológico, em tempos de reality shows como Loves Is Blind (Netflix), o que se pode esperar como tendência... continue lendo
Motivos Para Casar E A Escolha Do Parceiro
O casamento é uma forma que o ser humano encontrou de se sentir acompanhado, acolhido e pertencente a alguém. O casamento foi criado para atender às necessidad... continue lendo
Amor E Relacionamentos Conjugais Nos Dias Atuais
Os casais, atualmente, escolhem se vão ou não ter filhos; existem recasamentos, com ou sem filhos; alguns moram todos juntos, o que chamamos de família mosaico.... continue lendo
Como Cuidar Do Seu Relacionamento Em Tempos De Isolamento
Ter um relacionamento a dois exige no dia a dia esforço e atenção. Como lidar com estes conflitos em meio ao isolamento social?... continue lendo