Em momentos difíceis podemos perder o controle das emoções, sentimos raiva, tristeza, ciúmes e acabamos agindo com impulsividade. Quase sempre essas reações causam consequências negativas, o que nos leva a questionar, como podemos manter o controle diante das adversidades?

Tanto o autoconhecimento, quanto práticas de relaxamento contribuem para que tenhamos uma vida mais equilibrada. Porém, existem algumas pessoas que frequentemente estão no limite das emoções. Elas apresentam descontroles de forma intensa e persistente – em diversas situações, das mais simples as mais complexas – o que acaba se tornando um traço marcante de sua personalidade.

Estamos falando de pessoas com T.P.B. (Transtorno de Personalidade Borderline ou Limítrofe). Em geral essas reações impulsivas ocorrem em conflitos que envolvem ameaça de abandono, rejeição e desaprovação. Normalmente essas pessoas vieram de uma estrutura familiar permeada de rejeição. Muitos casos apresentam históricos de abandono, abuso sexual, físico e emocional. São crianças que provavelmente tiveram pais que invalidavam suas experiências, ridicularizando-as ou ignorando seus sentimentos. Essas crianças crescem sendo obrigadas a controlar demasiadamente suas emoções, especialmente se não estiverem em acordo com a opinião de seus educadores. Por exemplo, ao sentir dor e começar a chorar, seus pais mandam se calar e afirmam que a dor não existe ou a punem por não represar suas emoções. O mesmo pode acontecer diante de situações em que a criança expressa grande alegria. Dessa forma, aprendem a viver suas experiências a partir da opinião de outras pessoas, sentindo sempre insegurança e instabilidade.

 

 

Uma vez que essa rejeição influencia no desenvolvimento da personalidade e na forma como cada ser humano se percebe e se relaciona com o mundo, suas experiências acabam sendo vivenciadas a partir das impressões de outras pessoas, perdendo a noção de sua própria identidade. Para não ser “engolido pelo outro” o border adota comportamentos (algumas vezes) agressivos, todavia esse ataque destrutivo leva a sensação de fracasso e abandono. Note que esse processo torna-se um circulo vicioso, pois o sofrimento com a dependência afetiva leva o border a agir de forma que afasta o outro de si, aumentando ainda mais o seu vazio e angústia interior.

Você pode ter imaginado que alguém que demonstra tanta insegurança e medo de abandono, seja uma pessoa introspectiva e com características até mesmo depressivas. De fato, o borderline pode ter esse perfil, mas em sua maioria são pessoas extrovertidas, que precisam de atenção para justamente compensar o sentimento de perda que levam consigo constantemente. São pessoas que chamam a atenção em lugares públicos pela forma como se expressam e normalmente interagem muito bem socialmente, inclusive, podem ser facilmente líderes de grupos. Essa necessidade de estar à frente dos demais, muitas vezes, tem como fundo o desejo de aprovação externa. Aprovação esta, que era ausente na infância, especialmente por parte dos seus pais.

Segundo Yontef (1998) embora o borderline consiga expor muito facilmente o seu drama existencial, não significa que ele consiga elaborar tais pensamentos, ou seja, possui grande dificuldade de encontrar significado e curar suas dores emocionais. Isso se deve ao fato de que essas reações intensas ocorrem de forma imprevisível e impulsiva. Portanto, o border pode transitar facilmente pelo campo das emoções, conseguindo desenvolver habilidades como escrita e arte de maneira formidável, por isso, normalmente são pessoas racionalmente muito inteligentes, mas quando necessitam entrar em contato com suas próprias dores, surgem os descontroles e principalmente a agressividade.

Bin (1998) explica que o borderline vive intensamente o presente, mas não em um estado de presença, pelo contrário, essa forma de viver é marcada pela imediaticidade e vazio, que é “a busca da união imediata com a pura presença do outro”, assim, ao mesmo tempo em que acolhe o outro também tenta destruí-lo. Imagine alguém que não consegue se conectar a sua própria identidade e por isso necessita das impressões de outras pessoas para sentir um pouco mais de segurança e, a medida que o relacionamento evolui, o border vai se perdendo dentro da outra pessoa. É nesse momento que começam a surgir os conflitos, porque a sensação de vazio jamais deixa de existir, pelo contrário, aumenta de acordo com o distanciamento de si mesmo. Movido por esse vazio, a sensação de abandono eminente cresce, o border adulto acaba tendo atitudes impulsivas que podem facilmente ser confundidas com a imaturidade de uma criança. Por isso, conviver com alguém que tem T.P.B. torna-se desgastante.

É preciso manter a postura firme de um adulto ao impor limites, porém sem entrar na vibração agressiva gerada por discussões. Sim, muitas vezes, os borders testam todos os limites da paciência, levando as pessoas ao seu redor a perder o controle das emoções. Por isso, é preciso ter em mente que lidar com um borderline, seja criança, adolescente ou adulto, é sempre um grande desafio. Então se você que está lendo esse artigo se identificou ou notou semelhança com alguém próximo a você, busque ajuda de um psicólogo. É importantíssimo que não só o border, mas também a sua família receba ajuda profissional. O desgaste emocional para alguém que não possui esse transtorno, mas precisa lidar com essa realidade é muito grande. Ambos sofrem demasiadamente. Embora, muitas vezes, o border aparentemente demonstre a impressão de frieza e distanciamento, acredite, o sofrimento existe e é bastante intenso.

 

 Além disso, precisamos deixar claro que algumas pessoas apenas apresentam traços de personalidade borderline, mas não possuem um transtorno em si. Só se caracteriza transtorno aquele que apresenta problemas sérios e deixa de ter uma vida funcional. Ou seja, quando as atividades da vida diária começam a ser afetadas por esses comportamentos. Normalmente são pessoas que não conseguem manter um relacionamento amoroso por muito tempo ou estão casadas, mas à custa de muito sofrimento gerado pelas brigas, ciúmes e ataques de fúria. Dificilmente permanecem no mesmo emprego por muito tempo, principalmente por dificuldades de se relacionar com outras pessoas. Seus colegas podem reclamar de seu comportamento instável e da necessidade de chamar a atenção. Mas não se engane, esse tipo de personalidade também pode ser muito atraente. Lembre-se de que os borders fazem de tudo para agradar e serem aceitos socialmente, o único problema é que esse comportamento sofre oscilações de humor abruptas. Inclusive esse transtorno acaba sendo confundido com a bipolaridade – que é uma patologia mental de ordem fisiológica. Já o borderline, não possui nenhuma disfunção cerebral. O que se sabe é que existe uma hiperatividade no sistema límbico, que regula as emoções. De maneira simples, embora seja fisicamente saudável, sua estrutura de personalidade sobrecarrega as áreas do cérebro que controlam as reações emocionais.

Ainda não se fala em cura, porque de fato, não se trata de uma doença fisiológica que pode ser solucionada com medicamentos. O borderline é uma estrutura da personalidade que não pode ser alterada, mas pode sim, ser equalizada para um nível mais produtivo. Essa pessoa não deixará de ser emotiva, mas aprenderá a canalizar essa energia para fins mais saudáveis. Para isso, é importante fazer um processo de terapia e identificar se existem outros fatores associados a esse transtorno, como por exemplo, a depressão e o pânico. Nesse caso, além do tratamento psicológico, deve-se buscar a ajuda de um psiquiatra.  

 

Sabe-se que 50% desses transtornos são de origem biológica e 50% relacionado às influências do ambiente e estímulos externos. Embora a estrutura biológica não possa ser modificada, podemos transformar a forma como ela irá se manifestar socialmente. Por isso, quando uma pessoa que indica predisposição genética se desenvolve em um ambiente adequando é muito provável que apresente apenas traços sutis do borderline em sua personalidade.  Pensando nisso, deve-se reconhecer a importância de manter hábitos que contribuam para o equilíbrio emocional de toda a família.

Outro ponto muito importante de se observar é que algumas pessoas confundem o comportamento borderline com a paixão que muitos vivenciam. Na verdade, a paixão dura em torno de dois meses a dois anos, já o borderline vive sua vida inteira nesse estado. Os principais sintomas se revelam logo na adolescência, especialmente após a vivência de um amor não correspondido. Nessa fase é comum viver a impulsividade, testar os limites e até quebrar algumas regras para se descobrir social e sexualmente. Mas quando falamos em borderline essa experiência é muito mais intensa. Em alguns casos os adolescentes se mutilam para aliviar a sensação de angústia. De fato, essa sensação é amenizada quando fazem isso, mas o alívio é momentâneo e só ocorre porque o nosso organismo possui um sofisticado sistema de defesa, então quando a pele é lesionada o cérebro libera endorfina na corrente sanguínea – que é um tipo de anestésico. Essa substância também provoca sensação de prazer, por isso esse comportamento é muito frequente entre os adolescentes borders. Uma sugestão mais saudável seria praticar atividade física intensa, que provoca a mesma reação no organismo.

 

 Existem alguns exercícios que podem contribuir para que o border comece a entrar em contato com suas dores de maneira mais efetiva. Um deles é o resgate da criança interior. Ou seja, aquela criança que um dia fomos ainda existe dentro de nós e precisa de cuidados, especialmente nos casos dos borderlines. Essa criança – que na verdade é a própria pessoa – ficou lá no passado, muitas vezes sofrendo e se sentindo abandonada, por isso, a intenção é fazer com que o border possa assumir a postura de quem cuida, desistindo de entregar sua criança interior para outras pessoas.

Esse exercício é muito simples e pode ser feito em casa mesmo. Para começar, peço que relaxe, busque uma posição confortável e concentre-se na respiração. Em seguida, digo para se imaginar com cinco ou seis anos de idade. Uma foto pode ajudar bastante nesse processo. Peço então que se concentre nessa imagem e busque conversar com o objetivo de oferecer apoio para a sua criança interior, que está fragilizada e muito ferida. Dizer frases do tipo “eu vejo você”, “estou aqui para cuidar de você”, “eu te amo do jeito que você é”, representam muita força nesse momento de reconexão com a criança.

Normalmente, após realizar esse exercício, solicito que escrevam uma carta para sua criança, reafirmando seu compromisso de amar e cuidar dela. Esse processo faz com que o cliente se distancie um pouco do papel de vítima e passe a assumir a postura daquele que cuida, suprindo sua própria necessidade de afeto e atenção. Praticar esse exercício pode contribuir muito para amenizar a sensação de angústia e vazio que acompanham o borderline.

 

Além disso, existem muitas outras formas de trabalhar o equilíbrio emocional nos casos dos borderlines. Então se você sofre com esse transtorno, ou tem alguém na sua família que já foi diagnosticado, indico que procure a psicoterapia com um profissional de sua preferência ou grupos de apoios especializados.

 

Autora: Viviane Lopes - Psicóloga(CRP 06/127364). Fundadora da PsicoClique. Formada em coaching e constelações sistêmicas. 

 

Referência:

Bin, Kimura (1998). Fenomenologia da depressão estado-limite. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 1 (3), 11-32.

Yontef, G. M. (1998). Processo, diálogo e awareness. São Paulo: Summus.


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